Quanto mais os telescópios
forem aperfeiçoados,
mais estrelas surgirão.
Gustave Flaubert

Quando na escuridão, o olho humano esforça-se por um mínimo feixe de luz que, aos poucos, projete, em sua retina, a espessura das coisas. Para o indivíduo localizar-se no mundo, parece necessário fazer emergir o visível diante dos olhos. Nessa lógica, a câmera fotográfica impõe-se como sendo um olhar mecânico mais preciso, capaz de propor uma relação direta com os objetos da percepção. As lentes funcionariam para potencializar o olhar humano, permitindo-o decifrar uma possível realidade.

No entanto, diante das imagens fotográficas do artista Ding Musa, essa premissa torna-se insidiosa. O obturador de sua câmera, ao ser acionado, parece não pretender simular um tempo de exposição que aclare um visível, pelo contrário. Imersas na penumbra, as fotografias apreendem uma visibilidade iminente, na qual os objetos são arrancados do contexto tonitruante do mundo real e mergulhados no silêncio da imagem.

As ampliações sugerem um quase revelar e convidam o espectador a um tempo de observação progressivo. Um tempo cronometrado pela luz que, de forma paulatina, permite a percepção dos vestígios de uma realidade subtraída e suas nuanças.

Em um universo cultural contemporâneo – sujeito ao olhar e alicerçado na urgência de tudo fotografar – o trabalho de Ding Musa, diante dessa saturação visual, acaba por realizar uma inversão: não propõe iluminar ou traduzir o visível, mas apenas excitar o invisível. E, assim, permitir ao espectador imaginar.


Carolina Soares